Os estigmas que permeiam a carreira esportiva das mulheres e o desenvolvimento do esporte feminino

Por: Laura Martignoni – Empório do Futsal Feminino

Para fechar o conteúdo especial dessa terceira semana do mês da mulher, vamos falar um pouco sobre alguns dos principais estigmas que, ainda nos dias atuais, prejudicam o desenvolvimento do esporte feminino.

Como já foi abordado nas duas primeiras semanas, cada vez mais as mulheres vêm derrubando barreiras e quebrando alguns dos preconceitos mais “primitivos” dentro do esporte. No entanto, muita gente ainda carrega convicções sobre mulheres – e em especial mulheres atletas – fundamentadas no machismo e no patriarcalismo, e que não cabem mais na atualidade. Tais convicções por muito tempo as excluíram da prática esportiva e, ainda hoje, prejudicam sua participação em diversas modalidades, senão todas.

Ser atleta e… ser mãe? 

Uma das maiores questões enfrentadas por atletas mulheres de todas as modalidades é a maternidade. De um lado, decidir não ter filhos significa renunciar a um dos maiores símbolos incumbidos à trajetória feminina. Do outro, ser mãe representa abrir mão de, no mínimo, uma temporada de trabalho, muitas vezes perdendo direitos, contratos e correndo risco de não voltar a ter o mesmo rendimento de antes. Se voltam ao trabalho, muitas vezes, são questionadas se cumprem bem seu papel como mãe e, se não voltam, a outra opção é aposentar-se e abrir mão de vez da carreira, mas os julgamentos não serão menores em quantidade ou intensidade.

Em diversas modalidades encontramos exemplos de atletas que foram colocadas sob um holofote por conta de suas gestações. Tandara, oposta da Seleção Brasileira de Vôlei e atualmente do Osasco Voleibol Clube, enfrentou uma disputa judicial pelos direitos trabalhistas que lhe foram negados durante sua gravidez. A jogadora, que atuava pelo Praia Clube quando descobriu estar grávida no fim de 2014, competiu normalmente até o fim da participação da equipe na Superliga daquela temporada. Porém, após a eliminação do time, sem poder ser demitida durante a gravidez, teve seu salário drasticamente reduzido, sem o pagamento dos direitos de imagem. Após o parto, Tandara se transferiu para outro clube e, mais tarde, entrou na justiça pelos seus direitos de receber o que lhe havia sido negado durante o período de gestação. Ano passado ela conseguiu a vitória no processo e a determinação de que o Praia Clube lhe pagasse o que deixou de receber na época. Essa conquista de Tandara representou um grande passo para todas as mulheres que se dedicam à carreira esportiva, abrindo um precedente positivo para outras atletas.

Também já houve situações de atletas pressionando patrocinadores no mesmo sentido. Em 2019, atletas olímpicas da delegação estadunidense relataram ter seus contratos e pagamentos interrompidos pela Nike por estarem grávidas. Representantes da empresa afirmam que desde 2018 essa postura foi mudada para que nenhuma atleta fosse financeiramente penalizada por engravidar. No entanto uma infinidade de esportistas acabam passando por situações semelhantes

Trazendo boas perspectivas para o futuro, algumas das maiores entidades esportivas do mundo têm realizado movimentos recentemente para assegurar os direitos das atletas ao engravidarem, como licença maternidade com garantia de pagamento de salário, entre outros. Ainda há muito caminho a ser trilhado, porém pequenas conquistas já começam a aparecer.

Feminilidade versus desempenho no esporte feminino

Em função de tantas amarras históricas, já em um contexto geral, as mulheres são reduzidas a um modelo de feminilidade. Sempre que se desvia desse padrão são cobradas, e no esporte grande parte das atletas passa por isso. Muitas vezes, pelas exigências das modalidades ou para se manter em um alto nível de competitividade, seus corpos e atitudes são rejeitados, tendo como referência esse modelo.

Serena Williams e Tandara são bons exemplos. Ambas se destacam pela força e pela potência que são capazes de aplicar, uma com a raquete e outra na bola de vôlei. Por incrível que pareça, o que garante que elas marquem tantos pontos em suas partidas, gera críticas. No caso delas tal potência é oferecida por uma musculatura bem desenvolvida que se traduz em uma estética de braços fortes, abdômen rígido e pernas grossas, características que são postas em comparação com o modelo padrão do feminino: mulheres devem ser miúdas e delicadas, personificando o “sexo frágil” que lhes é atríbuido.

Em contrapartida, as atletas que pertencem aos moldes estéticos desse padrão sofrem com a constante sexualização e objetificação de seus corpos, estigmatizadas como nada mais do que algo bonito para atrair a atenção ou ser apreciado de forma vulgar. Além disso, ao evidenciar as características físicas, é comum que se ignore completamente seu talento, disciplina e dedicação ao esporte. 

Não é difícil encontrarmos ainda hoje, manchetes em jornais e na televisão, exaltando traços considerados belos nas atletas Já enxergamos boa mudança nesse quesito, mas até pouco tempo atrás assistíamos a matérias televisivas sobre jogadoras de futebol, com imagens focando na sua aparência – seu rosto, seus cabelos, seu corpo -, enquanto matérias similares sobre jogadores homens apresentavam seus gols e suas habilidades. Recentemente houve um caso extremamente polêmico com um canal de conteúdo promovido por torcedores santistas, que realizaram comentários sexistas em transmissões de campeonatos de futebol de base, com homens adultos elogiando os corpos e a aparência de jogadoras menores de idade. O assunto viralizou no twitter e muita gente se posicionou contra tal absurdo. No entanto, sabemos que apenas uma pequena parcela desses casos vêm a público e são, de fato, combatidos.

As comparações entre modalidades femininas e masculinas no esporte

Com todo o seu desempenho sendo constantemente relativizado por questões não relacionadas ao rendimento esportivo, as mulheres precisam quase que diariamente lutar pelo desenvolvimento de suas modalidades de uma forma que não é necessária aos homens. Além do esporte feminino ter largado atrás em relação ao masculino, seu percurso conta ainda com mais obstáculos, tornando absurda uma comparação entre os dois.

Há pouco tempo tem se tornado um tanto quanto comum nas redes sociais, comparativos entre ídolos do esporte masculino e ídolos do esporte feminino. É muito importante que, ao buscar a devida valorização das modalidades femininas não se caia nessa armadilha, visto que homens e mulheres não disputam o mesmo espaço e a idolatria delas não anula a idolatria deles. Ao colocá-los lado a lado apenas se revela a desigualdade e em muitos casos as injustiças causadas por um modelo sociocultural e histórico, que vão desde a formação de atletas até questões financeiras como salários e investimentos.

Confira um pouco mais sobre esse assunto no episódio do podcast do Empório do Futebol Feminino!

Na imagem temos o escudo do Empório do Futsal Feminino, os símbolos do twitter, facebook e instagram e o user do empório nessas redes sociais: @emporiodofsf
https://twitter.com/EmporiodoFSF

Fontes:

https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2020/06/21/tandara-acao-contra-clube-que-me-dispensou-gravida-mostra-forca-da-mulher.htm
https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2019/05/14/parem-de-ver-gravidez-como-doenca-dizem-atletas-em-desabafo-sobre-nike.htm
https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2018/12/17/manchetes-sexualizadas-e-sonho-de-valorizacao-mulheres-lembram-historias-de-busca-por-respeito-no-futebol.ghtml
https://emais.estadao.com.br/blogs/nana-soares/o-que-de-mais-importante-aconteceu-na-rio-2016-para-as-mulheres/

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