O efeito Julie Ertz na Seleção dos Estados Unidos e possíveis impactos de sua lesão

Foto: @julieertz (Instagram)
Foto: @julieertz (Instagram)

Com o fim da Summer Series, a série de 3 partidas amistosas — contra Portugal, Jamaica e Nigéria — disputadas nessa Data FIFA de junho, Vlatko Andonovski, treinador da Seleção dos Estados Unidos, está bem próximo de revelar sua lista de 18 jogadoras (mais 4 alternates) que defenderão o país na busca pelo ouro na Olimpíada de Tóquio. Uma preocupação que ronda essa convocação está relacionada justamente a ela, a meio-campista (pode atuar como zagueira também) Julie Ertz, que se encontra, atualmente, lesionada.

A jogadora do Chicago Red Stars, clube que joga a NWSL, liga de futebol estadunidense, se lesionou no último dia 16 de maio, no jogo contra o Portland Thorns. Segundo informação divulgada pela US Soccer, Federação de Futebol dos Estados Unidos, a defensora de 29 anos teve uma torção do ligamento colateral medial (LCM) do seu joelho direito. Não foi revelado a gravidade do caso, sendo apenas passado ao público que a expectativa é tê-la disponível para atuar nos amistosos pré-olímpicos do início de julho (Send-Off Series — duas partidas contra o México).

Com os Jogos batendo na porta, nunca é bom ter uma dúvida no elenco por lesão. Os EUA possuem uma gama enorme de atletas disponíveis e em condições de compor o conjunto olímpico. Então por que essa contusão da Julie Ertz pode gerar impactos no time e, consequentemente, na relação dos 18 nomes de Andonovski? Esse é o questionamento que busco responder no decorrer dos próximos parágrafos.

Como destacado na matéria da “Série Olímpica” — “O cenário da convocação olímpica dos Estados Unidos”, a equipe em questão atua, geralmente, em um 4–1–2–3 ou em um 4–1–4–1, se portando em campo, de forma superficial, dividida em dois blocos — o 1º formado pelas quatro atletas da linha defensiva, já o 2º formado pelas duas meias mais ofensivas e pelas três atacantes — com um elemento de conexão entre eles. Essa peça é, justamente, a Ertz, que se posiciona como meio-campista defensiva.

Visualização da equipe dos EUA atuando no 4–1–2–3. Observe os 2 blocos mencionados no texto bem definidos, com o elemento de conexão, JULIE ERTZ, entre eles. Imagem (adaptada): reprodução FS1

Por esse seu posicionamento em campo, considero a Ertz a peça mais importante para o funcionamento da engrenagem da seleção estadunidense. Isso se dá muito pelas funções desempenhadas dentro das quatro linhas. Na saída de bola ela aproxima da linha de zaga e no momento ofensivo dá opções para o ataque, ainda que seja uma meia mais fixa e com subida mais conservadora. Jogadora incansável, ela faz o “trabalho sujo”, se desdobrando para cobrir os espaços entre o meio-campo e a defesa, buscando garantir mais liberdade para as estrelas ofensivas. Destaco, também, o fato de ser uma futebolista bastante física, se caracterizando pela alta competitividade nas disputas defensivas. Para ilustrar, de acordo com dados do InStat (recorte pós-Copa do Mundo de 2019), a cada 90 minutos em campo pela seleção, Ertz vence, em média, 14 duelos, ao passo que as outras jogadoras interiores (Sam Mewis, Lindsey Horan e Rose Lavelle) vencem, em média, 11 duelos cada. Além disso, Julie, que mede 1,70 m, é peça fundamental nas disputas aéreas e nas bolas paradas defensivas e ofensivas, tendo anotado alguns gols de cabeça em sua carreira nacional (nas faltas e escanteios no ataque, ela costuma se movimentar em busca de bolas alçadas no “primeiro pau” do gol adversário).

Mapa de calor da Julie Ertz referente à Copa do Mundo de 2019. Destaque para a vasta área coberta em campo pela atleta. Imagem: reprodução SofaScore.
Mapa de Ações em campo da Julie Ertz e alguns dados referentes às partidas disputadas em 2021. Destaque para a vasta área coberta em campo pela atleta. Imagem: reprodução InStat.

Zagueira de origem, posição na qual atuou e conquistou o Mundial de 2015, Ertz, seguindo sugestão de Jill Ellis, então treinadora da equipe, iniciou sua transição para o meio-campo da seleção pós-Olimpíada de 2016. A mudança se provou um sucesso para o encaixe do time. Mas justamente aí começou o “problema”. Esse êxito, somado ao baixo histórico de lesão da atleta, fez com que a comissão técnica colocasse todas as suas fichas na sua condição de jogo e testasse poucas opções de reposição, já que tudo estava dando certo. A mudança de comando da equipe em outubro de 2019 não alterou esse panorama. A aplicada jogadora do Chicago Red Stars atuou em praticamente todas as partidas da Era Vlatko Andonovski, não tendo sido substituída na maioria delas. No entanto, sua recente lesão explodiu uma bomba no colo do comandante do conjunto estadunidense.

Impossibilitado de utilizar Ertz nessa Data FIFA de junho e diante da situação que se desenha imprevisível, Andonovski se viu obrigado a fazer testes. Como não são revelados muitos dados e imagens de treinamentos, podemos avaliar apenas as opções trabalhadas nas partidas. A grande escolhida para ocupar a função da lesionada foi Lindsey Horan. A atleta do Portland Thorns costuma atuar na seleção pela faixa central-esquerda, na linha de meias mais ofensivas. Horan é muito forte fisicamente, possui boa estatura (1,75 m) e é bastante técnica, podendo auxiliar a saída de bola com bons passes. Acredito que essas características motivaram a escolha do treinador. No entanto, na minha opinião, a opção acaba sendo um desperdício, já que você fixa em função mais conservadora uma de suas principais armas de criação e de chegada. Além disso, ela não apresenta o mesmo cacoete defensivo de Ertz, visto que não é uma meio-campista defensiva, o que acaba permitindo alguns espaços importantes por não conseguir varrer todo o setor. Após o amistoso contra Portugal, primeira partida de Lindsey na função, Andonovski elogiou a jogadora em entrevista coletiva, tendo a considerado “um monstro dentro de campo”. A leitura permaneceu semelhante após o jogo contra a Jamaica. No entanto, pós-duelo contra a Nigéria, oponente mais físico, o técnico mudou um pouco sua avaliação, declarando em coletiva ter observado durante o desenvolvimento do jogo que algumas características de Horan estavam, realmente, sendo desperdiçadas, além da necessidade de uma peça um pouco mais agressiva na marcação no setor.

Mapa de calor da Lindsey Horan referente aos 5 primeiros jogos da temporada 2021 da NWSL. O posicionamento dela no clube é semelhante ao da seleção. Observe que a faixa de campo mais presente é um pouco diferente da coberta pela Julie Ertz (ver mapa de calor supraexposto). Imagem: reprodução SofaScore.

O grande ponto aqui é que desde a Era Jill Ellis, nenhuma peça foi realmente testada nessa “função Julie Ertz”. E como já dito, Vlatko seguiu pelo mesmo caminho. A minha leitura é que o treinador, por não ter muito tempo até os Jogos Olímpicos, não está muito inclinado a dar chance para peças que pouco atuaram com ele, preferindo testar a versatilidade de alguma jogadora que já está mais consolidada no elenco, ainda que não consiga reproduzir de forma fiel aquilo desempenhado por Ertz. Destaco abaixo algumas possíveis e plausíveis opções, além da já mencionada Horan, para essa vaga:

  • Andi Sullivan — meio-campo: em tese seria a melhor substituta, muito por ser a opção que atua em função mais próxima à desejada. O que pesa contra: histórico recente de lesões e sem experiência em grandes eventos pela seleção. Atuou poucos minutos na posição no jogo contra a Jamaica. A chance de convocação, por causa do pouco tempo de jogo, é vista como improvável.
  • Emily Sonnett — defensora: é polivalente. Zagueira que também atua nas laterais e pode fazer a volância. Está, ao meu ver, praticamente garantida entre as 18, fato que conta a seu favor. É jogadora física e competitiva. Atuou poucos minutos na posição no jogo contra a Nigéria. Já jogou na função em seu clube (Washington Spirit).
  • Sam Mewis — meio-campo: jogadora garantida em Tóquio. É, para mim, a meio-campista mais equilibrada (defensiva e ofensivamente) do elenco estadunidense, motivo que acredito ser melhor opção, por exemplo, que a Horan para a posição da Ertz.
  • Tierna Davidson — defensora: zagueira canhota que também pode atuar de lateral. É técnica e possui boa qualidade de passes. Acredito estar com um pé e meio em Tóquio, por isso a vejo como uma aposta, caso necessário, para o setor. Já atuou, em sua época de College (Stanford), na faixa de campo em questão.

De forma padrão, é de costume das comissões técnicas montarem sua lista definitiva com 2 goleiras, 6 defensoras, 5 meias e 5 atacantes. Espera-se que Andonovski siga por esse caminho, porém, antes da problemática lesão, eu imaginava um cenário provável de o treinador levar 4 meias (Julie Ertz, Sam Mewis, Rose Lavelle e Lindsey Horan) e 6 atacantes. Devido à imprevisibilidade do status da Ertz e, também, das peculiaridades do Torneio Olímpico (alta exigência física e baixo tempo de recuperação entre partidas), creio que o comandante vá se ater à primeira opção de montagem, optando por uma abordagem mais conservadora. Fato esse que pode ter influência nas chances, maiores ou menores, de jogadoras como: Kristie Mewis (meia), Andi Sullivan (meia), Catarina Macario (meia-atacante), Midge Purce (atacante/lateral), Lynn Williams (atacante), Carli Lloyd (atacante) e Sophia Smith (atacante).

Por fim, a convocação estadunidense será divulgada nessa quarta-feira, dia 23 de junho. Acredito que Julie Ertz, ainda que não esteja 100% bem fisicamente estará lá, visto ser peça imprescindível e (praticamente) insubstituível. Daí será, então, possível vermos o quanto sua lesão realmente impactou na formação da lista.

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