Passando por um inédito e necessário processo de renovação e estruturação, a Seleção Brasileira Feminina tem oscilado de uma partida para outra e muitas vezes acaba deixando aquela velha sensação de que“poderia mais”. Mas o fato é que o time mudou, os tempos mudaram e o futebol feminino mundial seguiu o fluxo natural de qualquer esporte, evoluiu. Mas, e o Brasil? Em que fase se encontra a Seleção que sempre carregou a“missão” de fazer aquilo que nunca foi moldada para fazer?
Com esse questionamento em mente, e refletindo entre o passado e presente recente da equipe, é comum chegarmos numa encruzilhada que nos leva a entender que existe uma enorme diferença entre realidade e aparências. Ora, quando se fala em Brasil e futebol, logo se pensa no “Samba Style”, aquele jogo que valoriza o drible, a individualidade e a ousadia. Somos o “País do Futebol”, aquele time que deve sempre dominar seus adversários e impor seu estilo de jogo. Um pouco arrogante esse pensamento, não? Mas o fato é que ele existe, e com a Seleção Feminina não é diferente. Quando a camisa amarelinha entra em campo, não existem adversários, e um resultado que não seja a vitória (com atuação avassaladora) é abrir os portões do final dos tempos.
Entretanto, pouco se fala em processos, lapidação e acima de tudo, projetos a longo prazo. A frente da Seleção a quase três anos, Pia Sundhage, que chegou bastante aceita por torcedores e pela mídia esportiva, rapidamente teve sua imagem desgastada no Brasil. Com uma postura e método de trabalho completamente diferente do que estávamos habituados, a colisão de ideias gerou uma avalanche de insatisfação por todos os lados. Pois vejam só, esperava-se que a experiente comandante chegasse ao Brasil revolucionando toda uma estrutura viciada e ao mesmo tempo mandando a campo uma super equipe que atropelasse todos que passassem pela frente, afinal, somos o país que possui uma craque mundial a cada esquina!
E de novo, voltamos ao embate entre realidade e aparências. O ponto é que não temos um super time, não temos uma super geração e muito menos craques mundiais que estejam brilhando no mais alto nível da modalidade. E se formos mais longe, percebemos que nossos melhores resultados no cenário internacional ocorreram com o auge de gerações que não aparecem a toda hora, principalmente se você não faz um trabalho de formação de atletas. A última vez que a Seleção disputou uma quartas de final de Copa do Mundo foi 11 anos atrás, quando em 2011, foi eliminada pelos EUA, de Pia Sundhage. A última vez que chegamos numa semifinal do torneio faz ainda mais tempo, 15 anos, quando em 2007 chegamos pela primeira vez, e até então única, final do mundial. Nosso melhor resultado recente em grandes competições foi há 7 anos atrás, quando caímos para a Suécia, de Pia Sundhage, nas semifinais das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. É bastante tempo sem estar na primeira prateleira, certo?
Que trabalhos foram feitos para que a Seleção se mantivesse entre as melhores equipes do mundo em um recorte de 15 anos? 10 anos? 5 anos? Pois é, nenhum. Hoje, queremos estar entre os melhores, mas não temos a paciência para realizar o trabalho necessário para chegar lá. Enquanto ficamos os últimos 10 anos batendo cabeça e correndo em círculos as outras Seleções evoluíram, se reinventaram, montaram estruturas e trabalharam duro para chegar onde estão hoje (Espanha, Inglaterra, Itália, França e a própria Dinamarca, são exemplos disso). Estamos em 2022 e o Brasil ainda precisa cobrir uma defasagem física enorme em relação aos seus principais adversários, nossa geração não teve base, e somente agora as próximas gerações começaram a ter esse “privilégio” e mesmo assim, longe de ser o ideal, afinal, mal temos calendário para essas atletas, e as Seleções Sub17 e Sub20 pouco jogam em cenários competitivos. A Federação Brasileira não consegue sequer fornecer à comissão técnica da equipe um ambiente tranquilo e estável, nada menos que quatro coordenadores diferentes estiveram à frente da equipe em menos de três anos.
Pia Sundhage não tem feito um trabalho inquestionável, longe disso na verdade, ela tem seus erros e acertos, mais acertos que erros, inclusive, mas como escreveu Platão em “O Mito da Caverna” muitas vezes ficamos imobilizados por tanto tempo, presos a ideias e conceitos que a muito deixaram de ser reais que acabamos nos prendendo as sombras daquilo que um dia imaginamos que fossemos. Não seguimos em frente, não nos permitimos evoluir, e desacreditamos de tudo que mostre que nossa concepção está ultrapassada. Aliás, abrir mão do passado tem sido nosso calcanhar de Aquiles a tanto tempo, que é simplesmente inconcebível aceitarmos que o “País do Futebol” nunca foi o país do futebol DELAS.