Porquê o futebol feminino entrou em greve na Espanha

Por Amanda Marinho e Fernanda Picorelli

Uma queda de braço entre clubes, jogadoras e federação culminou no que por meses parecia realmente inevitável: uma greve. A partir de 16 de novembro, o futebol feminino estará parado na Espanha até que um acordo coletivo seja firmado entre as partes.

As negociações começaram em outubro de 2018. Segundo a Associação dos Futebolitas Espanhóis (AFE), “as jogadores exigem um acordo que regule suas condições de trabalho, referindo-se, entre outros direitos, a salários mínimos, horas de trabalho decentes, medidas de reconciliação familiar e maternidade, férias regulamentadas etc.”

O que as jogadoras pedem no acordo coletivo via AFE

Validade: 1 ano, de 1 de julho de 2019 a 30 de junho de 2020.

Rescisão: 3 meses de antecedência por qualquer uma das partes. Se nenhuma proposta de rescisão for apresentada, ela será estendida por períodos anuais idênticos.

Renovação do acordo: após a expiração do contrato e após a rescisão, as condições deste contrato permanecerão até que seja substituído por outro de classificação igual ou superior.

Revisão Salarial: no caso de uma extensão ou durante a situação de ultratividade do contrato, é acordado um aumento salarial para todos os conceitos de remuneração e salário previstos no contrato equivalentes a 10% ao ano, cada revisão entrará em vigor em 1º de julho de cada temporada prolongada.

Âmbito de aplicação do acordo: as jogadoras das equipes filiadas devem ser incluídas desde que participem de quatro chamadas consecutivas da primeira equipe ou sete suplentes durante cada temporada.

Jornada: 35 horas por semana em cálculo semestral.

Salário mínimo anual: 16 mil euros brutos com um proporcional de 75%. As jogadoras que receberem uma remuneração superior a €16.000 e tiverem um contrato de meio período inferior a 75%, receberão um aumento linear de 4 mil euros.

Longevidade: por cada dois anos de permanência no mesmo clube, e com um valor equivalente a 5% do salário mínimo estabelecido neste convênio ou aquele fixado no seu contrato de trabalho, se esse salário exceder o salario mínimo do convenio. Os valores recebidos pela jogadora de futebol pela cessão de seus direitos de imagem pelo clube também serão consideradas verbas salariais.

Contratação: estabelecimento de limites para a contratação em tempo parcial, de modo que pelo menos todos os contratos de jogadores profissionais vinculados pelo Acordo Coletivo tenham contratos de trabalho para atletas profissionais com pelo menos 75% da jornads comum.

Prêmio por longevidade: o jogador de futebol teria o direito de receber uma parcela pelo término de sua relação de trabalho com o clube no valor de 10 mil euros se estiver no clube por mais de 6 anos.

Prêmio pela assinatura do acordo: 800 euros para todos os jogadores incluídos no escopo do contrato. O pagamento desse prêmio pode ser feito pelos clubes antes de 30 de junho de 2020.

Inclusão do protocolo de prevenção e ação contra o assédio no futebol feminino fornecido pela AFE.

Inclusão do protocolo de gravidez, maternidade e lactação fornecido pela AFE.

Auxílio Maternidade: 600 euros

Complemento salarial por incapacidade temporária (TI), independentemente de qual seja, no valor de 100% do salário durante todo o período de férias.

Férias: 30 dias corridos, dos quais 21 dias de férias de verão sejam consecutivos, mantendo os dias de descanso adicionais no Natal, como no Acordo Coletivo Masculino. A remuneração das férias será igual à recebida durante o restante do tempo de trabalho, percebendo os mesmos conceitos e nos mesmos valores que estavam recebendo.

Cobertura através de uma apólice de seguro para contingências de morte ou invalidez permanente que impeça de desenvolver a atividade de jogador de futebol, no valor de 60 mil euros em caso de morte e 90 mil euros em caso de invalidez permanente em seus graus total, absoluto ou grande incapacidade.

Plano de emprego: criação de uma Comissão Mista para que, durante a vigência do Acordo Coletivo, sejam propostas e propostas para o estabelecimento de um plano de emprego, treinamento e necessidades para cobrir jogadores de recolocação após a carreira esportiva e adaptação a novas possibilidades de emprego.

Fonte

“Não sou jogadora de futebol só na metade do meu dia e não posso viver com 8 mil euros”, disse a goleira da Real Sociedad Mariasun Quiñones.

E a Federação de Futebol Espanhola nisso tudo?

Ainda existe um terceiro elemento na disputa. A Federação Espanhola negociou por 3 milhões de euros os direitos audiovisuais da primeira e segunda divisão do futebol feminino coma empresa Mediapro. Porém, nem todos os clubes estão envolvidos no pacote. Barcelona, Tacón e Athletic Bilbao não fazem parte do acordo.

Uma solução apresentada pelos clubes e pelas jogadoras, com auxílio do Ministério do Trabalho Espanhol, através de diversas reuniões de mediação, foi a de que os clubes aderissem ao Programa Elite. Neste caso, a Mediapro deixaria de pagar a federação metade dos 3 milhões de euros negociados. Em contrapartida a Federação contribuiria com um fundo salarial de 500 mil euros para cada clube (8 milhões de euros no total) e a Mediapro pagaria os 1,5 milhão de euros em troca da transmissão de duas partidas de cada clube.

A proposta foi veementemente recusada pela Federação Espanhola, que não tem mais boa relação com a Mediapro. A Federação está disposta a contribuir com 1,152 milhão de euros para a liga e mais um fundo de 500 mil euros para cada um dos 16 clubes, porém exige que o direito de arena seja extinto. Ou seja, os clubes passem a não mais negociar entre si pela transmissão de partidas fora de casa. Hoje, por exemplo, o Barcelona, que não faz parte do acordo com a Mediapro, transmite suas partidas em casa pela Barça TV.

Além disso, a Federação Espanhola exige que o acordo coletivo esteja incluído dentro do regulamento da federação, algo que tanto clubes e associação das jogadoras discordam, já que a Federação não faz parte das discussões sobre o acordo, apenas se envolveu como uma terceira parte que poderia solucionar o impasse.

Depois de 21 reuniões e nenhum acordo alcançado, o futebol feminino espanhol entra em greve, algo nunca antes visto na modalidade em qualquer lugar do mundo.

Contrastes

Enquanto a Inglaterra promove seu primeiro final de semana do futebol feminino, nos dias 16 e 17 de novembro, a Espanha terá sua primeira greve. Enquanto nos Estados Unidos, sem dúvidas a maior potência do futebol feminino mundial, acordos como o que buscam as jogadoras espanholas são comuns, na Europa a ideia ainda é incipiente.

A Federação Inglesa é a que mais se aproxima de um acordo coletivo, porém os contratos vigentes não podem ser assim considerados porque não sugiram através de discussões entre jogadoras e federação, e sim apenas da segunda parte. França, Alemanha, Itália e em outros países onde o futebol feminino se desenvolve a certa velocidade, acordos coletivos ainda não estão em pauta.

Os clubes pequenos

Não só de Barcelona, Atlético de Madrid e Tacón vive o Campeonato Espanhol. As negociações de um acordo coletivo são complicadas e sensíveis, principalmente porque envolvem o futuro de clubes menores como Granadilla, Espanyol ou Huelva. Sem o apoio da Federação Espanhola fica muito difícil para que os pequenos consigam se adequar ao acordo proposto.

Ainda não se sabe qual será o impacto da greve convocada na rodada 9 do campeonato. A maioria das jogadoras assinaram compromisso com a AFE de aderir ao movimento, portanto não devem entrar em campo. Porém, os clubes podem iniciar as partidas com 7 atletas de cada lado.

No final das contas, o maior problema do futebol feminino é o mesmo em quase todos os lugares do mundo: profissionalização.

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